Já vimos esse filme pelo menos meia dúzia de vezes. Cara comete/sofre eventos terríveis, escolhe reclusão e vira o clássico Broder Quieto Com Passado Desconhecido, até que é forçado a reviver esse passado para proteger o seu presente. Notei que Brody faz a trilha sonora desse filme, além de escrever o roteiro. Um projeto de paixão, como dizem os gringos. Há um certo esmero que transparece nas cenas, mesmo que o tutano seja insípido. Talvez a melhor forma de ver esse filme é notando que alguns loops são escolha pessoal, mesmo que não pareça. Em certo momento, o barbeiro e sponsor de Brody diz que “não querer falar sobre seus problemas é uma escolha tão válida quanto querer falar sobre”.
Um forte raio de sol da manhã que atravessa a tela. É como visitar memórias alheias em forma de filme. Acho que passei o filme inteiro com um sorriso aberto no rosto, embriagado pelo grão da cópia em 70mm que tive o privilégio de assistir, pensando que de certa forma eu já vivi aquilo ali. Um sentimento impossível, claro. Mas de que serve filmes como esse se não para justamente para isso? Bicho, como eu sorri. Gargalhei. Que vida excelente. Os ecos de Licorice Pizza em minha própria história são inescapáveis (minha primeira namorada era dez anos mais velha que eu – e eu tinha mais ou menos a idade do Gary quando a conheci), o amor pelo cinema também, assim como a predisposição para o romantismo descarado, singelo e imediato que PTA insere em seus filmes. Quando Alana solta um “idiot” para Gary no final do filme, estalou em minha cabeça: eu acho que já vivi isso aí. Essa ficção já foi a minha realidade, ou vice-versa.
A desolação que a vasta paisagem causa nesse filme é encantadora (me fez pensar bastante naquelas baitas cenas de Top Of The Lake). Jane Campion comanda narrativa e personagens de forma magistral (talvez valha notar que é um dos poucos momentos de sua obra onde personagens masculinos estão em destaque), montando um crescendo sutil que alcança forte tensão em seu terceiro ato. Os atores encontram formas distintas de dar profundidade ao seus personagens e, por mais que Cumberbatch e Dunst estejam em plena forma, é de Kodi Smit-McPhee os melhores momentos do filme. Esse lance de homens comumente transferirem seus sofrimentos a terceiros chega a dar um nó na garganta, por mais tradicional que seja esse tipo de comportamento. A trilha de Jonny Greenwood é excelente como sempre, envelopando as cenas sem nunca te deixar muito à vontade. Por um bom tempo vou ficar pensando naquela cena do “picnic”, por sua beleza e verdade absoluta.
Um filme em estado bruto. Inclemente one-shot de uma noite em uma cozinha de um restaurante em ascensão em Londres. Não precisa ter trabalhado em uma cozinha para entender a destruição controlada e gradual que uma noite dessas causa em uma pessoa, por mais normal que esse tipo de noite seja dentro dessa indústria (quando trabalhei em restaurantes, aprendi que uma noite em que ninguém se esconde em algum lugar para chorar por uns minutos não é uma noite normal). O excelente Stephen Graham faz um chef em brasas, cansado, querendo sumir. Um ator que não encontra pares atualmente quando se trata em fazer personagens que são broders comuns carregando bem mais do que são capazes. Vinette Robinson faz a sua sous-chef, também carregando mais do que consegue, entretanto de forma quase graciosa (é dela o melhor momento do filme: uma mijada destruidora de vidas em cima da gerente do lugar). Sempre aprecei filmes e séries que retratam esse universo e posso colocar Boiling Point lá em cima, junto com grandes como Dinner Rush e Big Night.
Envelhecer é uma doidera. Ou: é como assistir um filme comentando a si mesmo. Em tempos de consumo de mídia mediado por um, dois, três comentadores (dia desses assisti um show online que só dava pra ver com um streamer comentando ao mesmo tempo), franquias infinitas que se auto-referenciam insistentemente, análises (longas, curtas) e constantes (podcasts que só comentam um filme ou série), esse Matrix me fez eu me sentir velho (tudo bem). Ainda é um esculacho visual e uma ode à Carrie-Anne Moss (entendo). Talvez seja mais pra poder ver o Neo e Trinity novamente (entendo). Me diverti e acho que por mais um tempo vou continuar nessa.
*coçando a testa com a unha do polegar direito* Então… bom. Dá pra pegar esse especial do Louis e colocar como lado B do último especial do Dave Chapelle, The Closer. Ou melhor, esse seria o Lado A e o Chapelle fica com o Lado B. Os dois comediantes possuem formas distintas de falar sobre os mesmos temas. Chapelle opta por uma abordagem de força bruta, difícil de penetrar e que não deixa muito espaço para sequer rir, é uma palestra, basicamente. Louis mostra uma cadência mais clássica (acho que nesse especial foi a primeira vez que consegui “enxergar” como ele monta a maior parte do material dele, pois ele tá um pouco cansado e deixa aparentar os começos, meios e fins), uma escolha mais leve de palavras e termos, mesmo que ainda seja bruto na hora do punchline. Mas os dois falam sobre as mesmas coisas mesmo. Envelhecer é uma merda. Tu vês o mundo aparentemente acelerar cada vez mais e te deixando com mais dúvidas do que respostas. Mesmo que o teu trabalho seja exatamente discutir essas dúvidas, não fica mais fácil com o tempo. A treta é infinita. Dado uma linha do tempo longa o suficiente, todo mundo vai se provar um baita filho da puta. Incluindo dos dois comediantes, que fazem parte do Top 5 da sua geração. Se não valem por mais nada, esses dois especiais servem como o registro de dois homens bem-sucedidos, envelhecendo em tempo real e encontrando os limites de sua arte e suas formas de viver. Não chega a ser triste, nem muito engraçado. Apenas é.
Tem vezes que querer gostar de um filme não é o suficiente. A cinematografia de Antlers é tão sombria, que não dá pra ver quase nada na maioria das cenas de medo. O drama funciona, tratando de temas comuns e recorrentes em cidades fantasma dos Estados Unidos hoje em dia. Todavia, fora alguns momentos realmente interessantes (a primeira cena no Necrotério e a da crime scene na casa dos guri), tudo parece ser incompleto. Keri Russel faz o que pode, mas mesmo assim não resolve muita coisa (Felicity faz uma cota já né). Curto demais um filme sombrio, mas falta aquele tutano massa, o nerdismo malemolente, o gore fundamental.
Meu filme favorito do Ben Wheatley é Kill List. In the Earth é um excelente par pra ele, apesar de ser um filme diferente. Tecnicamente, os elementos parecem um pouco deslocados, talvez intencionalmente. Há contradições e conflitos óbvios. Mas no fim, acaba sendo um filme de terror singular. Produzido em um tempo singular. Talvez o único filme de terror da era covid que eu tenha assistido. Alguns atores (Reece Shearsmith, principalmente) apoderam-se do material e entregam ótimos momentos. E como não gostar de um filme que usar ambient drone composto por Clint Mansell para se comunicar com uma entidade do mato. Entre arte, ciência e folclore, não parece existir um caminho óbvio para se perguntar e responder algumas questões que o filme levanta. E tudo bem.
O Kino é um cinema de rua em Rotterdam que no momento está com uma mostra interna chamada Art Of The Heist, com quinze filmes clássicos de assalto (roubo?) ocupando a sua programação. Heat foi exibido em 35mm, num print de qualidade absurda de vídeo e áudio, para uma sala de cinema lotada em uma noite de segunda-feira de garoa. Tem vezes que essa cidade é nerd pra cacete. Meu tipo de cidade. Um filme como Heat derrete a tela, a crocância dos contrastes, o som manipulado com maestria, o preto da tela derramando sobre a escuridão da sala. Os diálogos ecoando com clareza e sutileza pelos falantes. Aí começa o tiroteio. Nada mais importa. É ser moleque assistindo Tela Quente escondido dos pais novamente, mas dessa vez sem tentar abafar o som da TV. Quero mais, quero mais alto. E Heat entrega. As horas passam voando. Seja Pacino ou DeNiro, tem um pouco de tudo nesse filme. Impossível não lembrar que primeiro assisti Heat em algum VHS, depois DVD, Bluray e etc – mas nada chegou perto da urgência que os 35mm dão ao filme. Que caminho longo para chegar aqui. Que vida excelente. Mannzão ali na tela comandando tudo.
“The days move along with regularity, over and over, one day indistinguishable from the next”. A vida de mais um cara extremamente solitário e penitente, sob os olhos de Schrader, um mestre. Trilha sonora de metade do BRMC, cinematografia minimalista e crocante. Os dias infinitos de um broder que vive de uma forma deliberada, utilizando de forma discreta um talento que desenvolveu após ter ido longe demais com seus talentos anteriores. Oscar Isaac é um avatar perfeito para esse tipo de personagem que Schrader escreve e filma tão bem. Sua narração é quase monótona, apresentando fatos e observações em um tom reto de sem muita modulações. Talvez seja só eu, mas no momento em que me encontro, o misto de vida monasterial, meditação, disciplina, autoanálise e restrições sociais que Schrader trabalha em seus personagens é como uma sessão de terapia em forma de filme. Por um espaço de tempo, nossas solidões se encontram.