Barbie, 2023.

Nessa doidera de verão nos cinemas em que Oppenheimer e Barbie acabaram sendo lados da mesma moeda (apesar de: sentido nenhum) o vencedor pra mim acaba sendo Barbie – que pelo menos não é obtuso e medroso como o épico do Nolan. Barbie também evita “O problema”, mas acaba sendo muito eficaz em apontar o roteiro da Gerwig e do Baumbach para outros (inúmeros outros) problemas, utilizando verborragia nos momentos corretos e dando nomes e títulos a tudo. Divertido, mas ainda sofre de si mesmo: como um produto pós-capitalista, é inefetivo como o drama do Nolan. Claramente não se pode ter tudo, mas pelo menos há um coração aqui, por mais cínico que possa ser (até porque: tem que).

Oppenheimer, 2023.

Acho que tava mais interessado em ver o elenco imenso em ação e também porque descolei ingressos para uma sessão em 70mm do filme. De resto, acho que esperava encontrar algo, mas nada demais. Sobre o projeto, Hickman já fez tudo que deveria ser feito. E sabia que o Nolan teria que ir fundo para conseguir superar o excelente Tenet, que considero o seu maior e melhor filme – aquele que equilibra características blockbuster com doideras e interesses que são particulares ao diretor. O filme tem cerca de dois terços muito bons, montando um Avengers da física, tentando achar algum modo de se contar a própria história. Tu até, por um pequeno momento, se esquece que tudo isso tá acontecendo com um intuito nefasto e injustificável. Mas fica mais Top Gun do que… hum, não sei o que ficaria na outra ponta (talvez um daqueles documentários da BBC pós-guerra?). Mas sem a diversão imensurável que Top Gun entrega. Sem também as trevas que seria cabíveis a um filme assim. Apenas superfície, por mais bonita que seja essa superfície. Quando a bomba explode, fica essa sensação de que algo ali não foi contado, que tem algo sobrando, algo óbvio. E claro que tem.

John Wick: Chapter 4, 2023.

O peso de ser tu mesmo, bróder. Tudo bem que John Wick é basicamente um personagem de Sin City criado para ser o veículo de uns dos mais durões stuntpersons do planeta (nesse capítulo 4 eles transformam a stunt de cair de uma escadaria em uma forma de arte, ALÉM DE: luta intensa com nunchaku, Donnie Yen estelar fazendo seu papel de mestre marcial cego – um delírio cinematográfico, plasticidade incomparável, BJJ de terno, neckshot afu e claro: uma sequência inteira onde João Wick usa uma porra dum fuzil com munição explosiva e explode um prédio inteiro em Paris) e ninguém espera muito mais dele do que um Yeah cansado e muitos, mas muitos movimentos milimetricamente coreografados que fazem inveja a qualquer filme da era Hong Kong clássica wuxia. Bem doidera, bem intenso, nada muito complexo ou além do que se vê. Uma belezinha, entretanto. Quando tu brincas de tentar adivinhar como eles fizeram essa porradaria toda tão bonita e crocante, dá uns bugs na mente do cara. Tem vezes que pra fazer uma cena convincente, alguém vai ter que levar uma mãozada na traqueia. Fazer coisas doloridas e filmar: sim. Vida longa à todos os envolvidos.

Luther: The Fallen Sun, 2023.

“The tragedy is that you are a better man than you ever allowed yourself to be”. O que aconteceu conosco, John Luther? Olhei aqui, a primeira temporada é de um longínquo 2010. O mercado de séries para TV era diferente (pra tu teres ideia, House Of Cards do Netflix começa em 2013). Eu era apenas mais um moleque baixando rips em 720p de shows britânicos em um tracker de bittorrent dedicado a esse tipo de conteúdo e assistindo em um monitor CRT. Já Luther, ainda vivia uma vida completa, naquela primeira temporada perfeita. Desde então, tudo mudou, pra ele, pra mim, pra todos nós. Semana passada estava no tram, passando pela Coolsingel em Rotterdam e não tive como não notar um enorme banner de uns cinco metros, tomando toda a lateral de um prédio. Apenas um retrato do torso de Idris Elba e as letras em vermelho na fonte de Luther. Wotcha. Olhando lá de cima pra mim, com aquela expressão de vida difícil, camarada. Tem sido uma aventura, né broder, quando comecei a te assistir, nem sabia o que era um inverno, um casamento, ou até mesmo uma carreira. Hoje em dia uso casacos pesados como os de Luther, caminhei pelas mesmas ruas e pontes que ele e Alice Morgan costumavam andar e vivo em uma cidade que também é castigada por um inverno infinito. Nas trincheiras do dia-a-dia, os anos se passaram e tudo que sobra é tudo que importa. Esse filme (que é produção do Netflix, ironia não necessária) é como uma visita a um amigo que envelhece junto contigo, mas de forma fatalmente diferente. Pra mim, Luther terminou ali naquela primeira temporada (todavia, aceitável incluir o bom livro-prequel que Neil Cross escreveu, The Calling, uma leitura muito dureza), mas tudo bem que de vez em quando a gente se encontra, pra ver que ainda usamos os mesmos tipos de roupas, temos o mesmo coração sofrido e que assim como o tempo me tratou como devia, tratou Luther também. Solitários, sorumbáticos e assombrados por nós mesmos, viramos um pro outro e perguntamos so, now what?

Knock at the Cabin, 2023.

Aqui estou mais um dia a escrever sobre um filme do Shyamalan. Desde que Hollywood desencanou dele, seus filmes ficaram diferentes, voltando a ser mais interessantes e sempre entregando diversão. E por todos os problemas de Knock At The Cabin, o cara meio que se diverte. Mais por um excelente Bautista, imponente e vulnerável como um vilão clássico. Dá pra ver o terceiro ato vindo de longe – e a história é boa, mas não tão boa assim. Pensando aqui que em tempos de saturação de todo tipo de mídia, te segurar por um filme inteiro (como aconteceu no último Knives Out, ou nos últimos Soderbergh), é coisa de quem manja. Algumas histórias não precisam de muito mais.

Tár, 2022.

A ilusão perfeita de controle. Há vários anos, comecei a nutrir um hábito ruim. Comecei a evitar filmes (e principalmente filmes) por sua temática, ou pela sua aparente narrativa, ou pelo que eu imaginava que o filme iria me fazer passar. Arrogância preemptiva, cultivada por milhares de horas consumindo essa forma de arte que tanto me deu e tanto me amparou. Entretanto, decidi por algum motivo que não queria passar perto de alguns sentimentos e sensações. Até desenvolvi um contra-hábito: me refugiei em sessões de filmes que já vi várias vezes, me convencendo que estava nessa buscando um refinamento – tentando ver algo que deixei passar na primeira vez. Mas no fundo, estava me escondendo de mim mesmo, claramente. Ainda possuo esse hábito ruim presente nas minhas decisões do que assistir, me privando por meses, ou anos, de assistir algo pois não quero caminhar por onde ele vai me levar. Talvez fosse proteção. Tár é um desses filmes, soube assim que vi a primeira imagem de Cate segurando uma batuta. Sempre fui apaixonado por Cate, desde quando muito moleque a vi de bochechas rosadas e cabelo vermelho no (otherwise) esquecível Bandits, de 2001. Renovei essa paixão por ela de novo há poucas horas, em uma cena de Tár em que ela chega em seu cavernoso apartamento de concreto queimado em Berlim, apaga as luzes, coloca Count Basie para tocar e abraça a sua parceira em um leve balanço, quase imperceptível. Amor supremo. A partir dali, eu estava vivendo com Lydia Tár, sendo levado pelo seu sotaque berlinense em alemão, pelas suas sobrancelhas que parecem ter vida própria, pelos seus pés descalços tocando piano. Parece que meu erro favorito é se apaixonar platonicamente por esse tipo de pessoa. Nos meus anos trabalhando em um ambiente corporativo, possuía raiva branca em relação à várias coisas praticadas naqueles ambientes. A maior das raivas era gramatical: com a forma como todos decidem escrever e falar em um escritório. Um constante jogo de palavras e termos e diálogos que não somavam nada, desviavam a atenção do trabalho em si e deixava claro para mim que na real, nunca foi sobre a qualidade do trabalho. Lydia joga esse mesmo jogo desprezível, mas não com a música que toca, e sim com tudo ao seu redor. Parece que ela faz isso há tanto tempo que a música decidiu invadir a sua vida, sem um objetivo definido, ou: apenas para mostrar a Lydia que nem tudo pode ser controlado, mesmo para alguém que mestrou o controle total do tempo. Para uma pessoa que vive uma vida cheia de superlativos, o que resta? Naquelas de que o se dá de presente para alguém que tem tudo. A resposta me interessa menos do que imaginei. O que me interessa mesmo é quando a ilusão de controle vai se dissolver, ou se é pra ser assim mesmo: perfeita.

Avatar: The Way of Water, 2022.

Voltei a jogar video games depois de muitos anos sem um console ou PC decente. Tenho um buraco de uns oito anos na minha trajetória como jogador, precisamente a era em que os jogos pularam para além do full hd e os fps chegam a bater mais de 200. Acabou que, mesmo quando jogo um Red Dead Redemption II (um jogo “velho”), fico embasbacado com a beleza e detalhismo do cenário todo. Passo longos períodos de tempo buscando mirantes, entrando em áreas verdes e sei lá, pescando. Esqueço que é um jogo violento. Que em algum momento alguém me fará usar alguma das meia dúzia de armas que carrego por default. Chega a ser uma surpresa, ter que atirar am alguém depois de passar uma hora subindo uma montanha. Mas: sem conflito, não tem jogo. Assistindo Avatar, senti o mesmo que sinto quando jogo games lindos: uma pena que toda essa beleza seja temporária porque, inevitavelmente, o pau vai comer. E é aí que Cameron mostra um pouco de descompasso. O filme inteiro é lindo, mas a ação quase sempre cai numa vibe Disney. Num mundo pós-John Wick/The Raid, a violência estética virou uma outra forma de arte. O conflito físico é um balé grotesco (e talvez até profundo). Dentro de toda a beleza estética, as capacidades técnicas e a pura força bruta de fazer um filme com centenas de simulações hiper-realistas de água do mar (“se liga em quanto render eu consigo bancar”), o filme brilha e empurra vários setores da indústria cinematográfica a um novo patamar (o trailer de um Ant Man que passou antes do filme parece um trabalho de YouTuber perto de Avatar). Algo que não acompanha essa evolução toda, é a sensibilidade da história em si, que chega a ser rasa – mesmo que os personagens não sejam (doidera que esses seres em 3D sejam tão familiares). Não se pode ter tudo, claramente. Mas que tu possas passar meia hora em Pandora antes do diabo saber que estás morto.

V/H/S/99, 2022.

Taí mais uma medida de tempo fatal: esse é o quinto V/H/S. A antologia começou em 2012, com dois bons filmes iniciais, perdeu a mão com o terceiro filme (“Viral”) e meio que reconquistou o seu mojo com o “94” e agora com esse “99”. Na moral, me perdi nos filmes e reassisti o 94 por acidente antes de assistir o 99 porque achei que não tinha visto todo o filme (acabou que tinha assistido sim, mas o que é um filme repetido na vida do cara?). 99 é um filme menos inovador do que seu antecessores, com alguns segmentos (são cinco, acho) bastante dureza de assistir, coisa que não aconteceu muito com o filme anterior. Não ia nem escrever sobre, mas semanas se passaram e ainda penso no segmento final, onde um ritual satânico dá errado (ou certo demais) e envia dois broders pra uma versão do inferno que, pra quem cresceu jogando DOOM, é uma treta inconsolável. Só por isso, vale a resenha. Para iniciados, esse quinto V/H/S é nada especial, mas se algum segmento ficar na tua cabeça como o último ficou na minha, não tem elogio muito maior. Espero que voltem com a narrativa entre os segmentos no próximo.

ATHENA, 2022.

Toda a raiva que existe em ti – toda raiva que couber: urgente, inclemente, pulsante como uma ferida aberta, triturando concreto, expelindo fumaça, envolta em gritaria e ordens e risadas e momentos microscópicos de euforia e tensão. O filme que não te larga em nenhum momento, porque é função dele te fazer de testemunha: essa é a fúria, dor, amor e tristeza de uma parcela imensa da sociedade em que tu vives. Realizando uma revolução na base do molotov e do dedo médio em riste, da dor que permeia todos os teus dias. Se vários filmes decidem abraçar uma ideia e te dar uma versão complexa e rebuscada dela, ATHENA nem finge querer ser nada além do que é: um grito longo e assustador que merece ser vivido. O tempo distorce, os atores se camuflam em massas e respirar vira algo que tu fazes junto com eles. Visualmente feroz, esse filme é tudo que tu precisas de vez em quando. Difícil ficar melhor que isso. Um filme que te dá tudo que uma obra de arte pode te dar. O resto é contigo.

Nope, 2022.

Como um sonho que se torna mais e mais difícil de se acordar. Não que os outros filmes do Jordan Peele sejam ruins, mas sempre senti que faltava algo, ou: parecia que todo mundo via algo neles que eu não conseguia pescar. Nope não dá essa impressão. Pelo contrário, é um filme que exala autoconfiança – sem em nenhum momento ser pedante. As decisões cinematográficas funcionam, o elenco entrega, os efeitos especiais são modernos e requintados, a narrativa é deliciosa. É um filme de horror apenas no centro, pois expande e abraça outros temas com sinceridade. Interessante ver menções claras ou obtusas à Texas Chainsaw Massacre, Spielberg, Tarantino, Scorsese. É como se Peele quisesse amarrar as tradições cinematográficas hollywoodianas em uma só, porque pode (e quase consegue, apesar de o resultado ser mais do que referências bem costuradas: nasce um novo tipo de filme). Há uma perfeição aqui, rara e intransponível, fatalmente norte-americana (em certo nível bem parecido com o que acontece em Top Gun Maverick, outro filme da categoria blockbuster que toca a perfeição sem medo). Talvez seja até bravura, algo raro na indústria norte-americana nas últimas décadas. Nope é raro, demanda atenção e deixa questões fundamentais na cabeça do cara. Que filme.