3 Toneladas AKA The Great Robbery Of Brazil’s Central Bank, 2022.

O cara percebe que nem conhece o próprio país. Primeiro pois o jeito que os polícia falam nesse documentário é algo de especial: dos civis, aos estaduais e federais, aos agentes especiais e peritos, cada um usa a língua portuguesa de uma forma específica e comumente fatal. As regionalidades são achatadas quase sempre, mas ainda presentes ali, de forma até divertida, quase fascinante (descontado a galera do jurídico, que nossa senhora como é terrível ouvir grande parte do que falam). Tudo bem que isso só pode ser interessante pra mim por estar há muitos anos não convivendo com essa língua. Segundo que como é treta o br, né. Aqueles momentos pós-prisão, onde polícia e suspeitos trocam ideia livremente, é coisa que não existe, velho. Não dá pra escrever essa ficção. Os caras sendo preso em Porto Alegre, jogados na calçada garroteados – ou os caras posando ao lado de agentes especiais em algum rancho no sertão do Ceará, fazendo aquela cara de “putz fui preso”. Bruto demais. A treta é infinita. O caso em si é um clássico já (feliz em ver o Roger aparecendo, sendo reconhecido pelo seu excelente livro Toupeira), e não apresenta nada de novo além de uma narrativa mais amarrada. O documentário realmente brilha em mostrar as camadas de polícia, criminosos e toda sorte de envolvidos que se conectam em algum momento ao caso, dando breves, mas importantes, relampejos de como se forma a o br, esse país imenso e impossível.

jeen-yuhs: A Kanye Trilogy, 2022.

Por um período de tempo, ali naqueles primeiros anos em que me introduzi ao hip-hop, achei que Kanye era um artista que demoraria para eu realmente entender. Havia algo de indescritível e ilimitado em discos como My Beautiful Dark Twisted Fantasy. Um comentário brutal sobre si mesmo, sobre o estado da música e da cultura naquele 2010. Hoje em dia, Ye encontrou seus próprios limites. Não que isso seja ruim, acontece com bastante frequência aliás. Ainda acredito que em vários momentos ele estava fatalmente antecipando tendências e momentos culturais com precisão anormal. Assistir jeen-yuhs é quase uma experiência masoquista: difícil acompanhar um artista em ascensão que não consegue ainda materializar a sua arte nos seus próprios termos – apesar dele só falar sobre isso. A frustração de Ye em não ser quem acha que deve ser é aparente. Chega a irritar, quem é esse cara pra se achar tudo isso? Aí o documentário pula alguns anos e nos entrega Kanye West full power: ele chegou lá. Aí que desanda. Difícil especular o que Ye estava tentando alcançar, mas é evidente que ele chegou lá e pagou um preço por isso. O documentário vira um filme triste, confuso, repetitivo. Mostra que os limites de Ye foram antecipados por ele mesmo, quase que inconscientemente.

Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain, 2021.

The bittersweet curse. A história de um viciado, que troca de hábitos com o tempo, mantendo vícios como motor fundamental. Assombrado, esse documentário é bem difícil de assistir. Porque tu vês um cara no começo, aos 43, experimentando a sensação de conseguir ver uma saída para a sua vida dura, mas de alguns êxitos. Daí esse cara é envelopado por fama, grana e toda a comida disponível no mundo. Depois ele se vicia em ser um pai, um marido. Depois em ser um viajante. Depois em ser um romântico. Contém uma dezena de cenas incríveis. Mas sempre vou acabar lembrando mais da cena em que ele se apaixona pela Asia. Todavia, fora o fato de que sou fanboy do Bourdain, o documentário é um esqueleto do que poderia ser um filme/doc sobre a vida dele. Tudo bem, tanto faz. Talvez seja bom desse jeito.

Burden, 2016.

Ah, arte. Sem entrar numas de querer falar sobre arte perfomática, mas aceitando que na real o que tu quiseres fazer da vida pode ser arte, só meio que depende de ti mesmo. A trajetória de Burden é interessante, sua obra, talvez. Mas não importa muito, no final das contas. O lance acaba sempre sendo vai lá e faz, mermão.

The Vow, 2020.

Em certo episódio tem uma entrevista com o jornalista do The New York Times, que está escrevendo o artigo sobre NXIVM – ele diz que se sente confortável escrevendo sobre o tema pois esses lances de “explorar o seu potencial/ser sua melhor versão” não funcionam com ele. Me senti representado. A narrativa dos nove episódios desse doc é bem arrumada e fácil de ficar assistindo, mas não consegue fazer pessoas como eu e o jornalista realmente entenderem o que as pessoas envolvidas no culto passaram. A parte comercial do culto é muito mais interessante pra mim, mas infelizmente não detalharam tanto essa parte. Bom doc, mas recomendaria o sobre Heaven’s Gate ao invés desse. Se é pra entrar na doidera, que seja com os dois pés.

I’ll Be Gone In The Dark, 2020.

Meu cérebro infeliz ficava lembrando daquela frase do Bukowski, que muito me encantou quando tinha 14 anos, “Find what you love and let it kill you” (que nem é dele), enquanto assistia aos longos, profundos e dolorosos episódios desse documentário. Terrível assistir esse documentário. É uma caixa imensa de vídeos, textos, áudios, sms, fotos, caixas postais, emails, dms – toda uma maneira de registros que cobre décadas. Muita dor, velho. Dor demais. Por tanto tempo. É assustador o detalhismo técnico da série toda. Morrer pode ser tão mais do que se parece.

Jodorowsky’s Dune, 2013.

Talvez o momento mais forte desse documentário seja quando o próprio Jodorowsky, relembrando quando deu tudo errado no projeto do seu filme (depois de anos em que tudo deu certo pra caramba), decide que o seu Dune é/foi nada mais do que um sonho. E como um sonho, não precisa ser realidade para ter um efeito duradouro. Sonhos são tão importantes quanto obras reais. Belo documentário, encantador e divertido como o próprio Jodorowsky – um broder em chamas constantes.

Tim’s Vermeer, 2013.

Faz um bom tempo que acompanho as coisas que Penn & Teller produzem, mais porque eles parecem ser enormes nerds com muitos recursos do que outra coisa. Peguei esse documentário, produzido pelos dois e dirigido pelo Teller – e de certa forma teve o mesmo efeito que aquele sobre o Ricky Jay: pura imersão, detalhismo delicioso, necessário. Um foco em um assunto que à primeira vista poderia ser bastante chato. É sobre um nerd, é sobre um mestrão pintor holandês, mas principalmente é sobre fazer as coisas que queremos fazer, seja no caso do Vermeer, do Tim ou do Penn & Teller. Cultura DIY eterna.

Deceptive Practice: The Mysteries and Mentors of Ricky Jay, 2013.

Jay passa o documentário todo contando como grandes nomes da área o ensinaram, de uma forma ou de outra, como mestrar uma arte. O tipo de mágica que Jay cultiva é bastante rara hoje em dia, não há pirotecnia nem efeitos especiais devastadores. Mas há: precisão cirúrgica em todas as palavras, movimentos e expressões, controle total do que a platéia está vendo e finalmente um efeito mágico tão incrível, que impossível não coçar a cabeça. Belo documentário, podia ter umas cinco horas.

Bobby Fischer Against The World, 2011.

Um passeio bastante atordoante pela história e dias de Bobby Fischer. O documentário conta seu início totalmente obsessivo com o jogo, sua confusão mental, que lhe custou décadas de reclusão e finalmente o seu ressurgimento – uma outra pessoa, longe da figura que lhe trouxe fama. Não especulo muito sobre que tipo de transtornos mentais ele tem ou teve, mas que foi uma jornada selvagem e inclemente, isso foi. Nunca esquecer de Bobby Fischer. E que se for preciso ir contra tudo e todos, que seja.

Google And The World Brain, 2013.

O medo que esse documentário desenvolve dentro de ti é incrível. Os minutos vão passando, tu vais captando informações, digerindo argumentos, ficando triste e ansioso. Era para ser um filme sobre o projeto Google Books, sobre como teríamos a nossa Biblioteca de Alxeandria digital. Acaba sendo sobre como entramos de cabeça (e por que não?) nessa bela era da Internet – e só agora estamos parando para olhar os termos de serviço. Um documentário que parece de cara até tardio, datado. Entretanto, apresenta o layout de discussões intensas que acontecerão nas próximas décadas. E dá medo, muito medo.

Eames: The Architect & The Painter, 2011.

James Franco narra este documentário essencial sobre a vida e obra de Charmes e Ray Eames, os designers que inventaram o mundo moderno (ou pelo menos um pedação dele). De um detalhismo absurdo, é para assistir e sentir-se cansado e culpado por ter vivido tanto, e não ter produzido quase nada se comparado ao que o casal fez.