Smashing Pumpkins + Interpol, 29/06 – Ahoy, Rotterdam.

Antes de entrar em Mayonaise, Billy disse here’s a song that we wrote in ’92. E quase me fez chorar, porque poucas canções soam assim, ao vivo. Um presente, de uma banda antiga, que viveu várias vidas em suas décadas de atividade. Tocaram por algumas horas, mandando mais de 20 músicas (em algum momento James Iha deixou escapar no microfone “just 9 songs more” – pode ser o melhor trampo do mundo, mas ainda é um trampo), entre covers de U2, brincadeiras com riffs de Lenny Kravitz e versões secas, mas muito poderosas, de seus hits. Se o Interpol, que fez um set competente de abertura, soava como um Mustang antigo, o Smashing Pumpkins soou como um navio de guerra aposentado, sem ver tretas há muito tempo mas ainda capaz de assustar quem quer que seja (teve um momento ali que o Chamberlin conseguia fazer a bateria dele mais pesada que muita banda de metal carcomida, uma doidera). Uma banda de uma rara estirpe, que não se vê ou ouve mais, dando uma noite de puro som e alguma fúria aqui e ali. Que jeito de terminar uma semana: indo sentar lá no fundo da arena, cantar umas músicas que cresci ouvindo, ver Billy e Iha se entrelaçarem ao tocar os solos de Rhinoceros (outro presente) e depois pegar a bike e pedalar de volta pra casa, curtindo a cidade, em seu mais puro crepúsculo de verão. Um dia perfeito.

Greg Foat + Moses Boyd, 25/06 – Vessel 11, Rotterdam.

Terça-feira quente no centro da cidade. Quente mais ainda no porão de um barco, onde o palco do Vessel 11 é. Conseguimos sentar ali do lado do Greg, podendo ver a pedaleira hammond que que usa como baixo, o rhodes todo cheio de cabos e o iphone que ele consultava, como quem lê notas, para saber como achar os sons que precisava para cada música no emaranhado de instrumentos que ele tocava. Moses Boyd na bateria, acompanhava Greg criando um balanço pesado e experimental que parecia inevitável quando os dois começavam a tocar juntos. Boyd transformou os sons leves de Greg em pancadas psicodélicas, com a manha de quem sabe o som que tem e como ele combina com outros. Teve um momento ali que Boyd tomou um gole da garrafa de água no seu pé, notou que a garrafa era de vidro e prontamente a colocou em cima da caixa e começou a tocá-la. Grooves de mestres para uma noite clara de verão. Obrigado Greg e Boyd.

Perfect Days, 2023.

Sempre quis uma vida simples. O que não necessariamente significa ter uma vida fácil. Mas às vezes, por um certo número de dias, talvez semanas e (se o universo sorrir) meses, as duas coisas se sobrepõem e eu tenho o privilégio de viver dias perfeitos que parecem sem fim, onde o simples e o fácil se entrelaçam e eu me vejo cantando Racionais na bicicleta ou cortando o cabelo do baixista de uma banda que admiro- ou tendo tempo o suficiente em uma sexta para assistir esse filme todo antes de ir dormir. Reconhecer o próprio privilégio é fundamental. Hirayama pratica a arte de notar, inspirar e deixar passar. Ele parece entender o privilégio do seu trabalho, rotina, cidade, casa e, finalmente, a vida inteira que leva. Tento fazer o mesmo. A solidão também é um privilégio, um benefício, um presente, como diz aquele poema. Há um custo, claro, pessoal e intransferível para cada um. Mas: que vida. Ele lá indo de bike por Tóquio pegar um livrinho, eu aqui de bike aqui em Rotterdam indo assistir um filme depois do trampo. A gente chora e sorri ao mesmo tempo, porque no final, é a mesma coisa. Ser testemunha da própria existência, e por consequência de todo mundo, é talvez a única coisa que realmente importa pra mim. Perfeição é o que tu quiseres que seja.

Sugar, S01.

Apareceu no meu feed e tinha pego, pois Farrell em vibe neo-noir né. Não assisti logo de cara, mas um cliente me recomendou e decidi ver qual é. Não sabia do envolvimento do Fernando Meirelles e nem dos caras do Jazz is Dead. Boas surpresas. Que série estranha. Quase arthouse em alguns momentos – ou quase Lumetiana. Cheia de momentos komorebi, muito bem representados por Farrell e bem montados por Meirelles. Demorou pra eu entrar na vibe, o piloto foi meio dureza mas ali pelo segundo episódio, eu tava all in. Um detetive gentil, viciado em filmes, que anda pelo mundo com a estranheza peculiar de um eterno estrangeiro. Sentimentos familiares, aconchegantes até, pra mim. Uma série feita sob medida para eu poder pensar em tudo que vivo na última década. Assim como Sugar se refugia em filmes, eu me refugiei nessa série. Deixando as tretas do mundo dele ofuscarem as minhas, só por um momento.

Tool, 27/05 – Ziggo Dome, Amsterdam.

Nunca pensei que ia ver o Tool ao vivo. A banda me apareceu bem naqueles anos ideais da adolescência, em que o perigo começa a fazer sentido. Tu tás com tesão e nem sabe do que, aí ficava fácil começar por música. E o Tool entregou algo pra acompanhar isso: quatro discos perfeitos. Abriram minha cabeça pra todo um monte de coisas. A singularidade do Tool é semelhante ao do Radiohead pra mim. Não comparo muitas bandas e muitos sons a eles, porque nem tem como. E assim que tomaram o palco do sold out Ziggo Dome, mostraram porque são o que são. Uma pedrada, menos sensual do que lembrava, mas muito mais sisuda e definitiva. A banda sabe como e o que quer. Que banda. Quatro bróderes que tocam com a técnica de quem nem pensa mais nesse tipo de coisa, pois passaram dessa. Uma viagem no tempo pra eu me ver adolescente, querendo ser dark e querendo me sentir o tempo todo daquele jeito que os discos do Tool me faziam sentir. Tocaram muito mais dos discos recentes, dando apenas uma acenada pros dois primeiros. Todos nós envelhecemos, normal. O Tool de hoje em dia é menos liga torta, mas ainda fascinante. Por um espaço de tempo, lembrei de noites jogando Quake, lembrei daquela virada de século niilista, lembrei de uma vida toda que pareceu a única coisa que eu ia viver. Envelhecer é um privilégio, e ter podido pagar a pequena fortuna que foi para ver uma banda tão única quanto o Tool, é um privilégio importante. Um som que para sempre estará marcado nas minhas memórias, primeiro de adolescente, agora de velho. Excelente vida, baita sorte.

Furiosa: A Mad Max Saga, 2024.

Perdi o Fury Road nos cinemas, mas se tornou um dos meus filmes prediletos desse século bem normal que estamos vivendo. É um blockbuster perfeito, que na sua versão black and chrome torna-se um disco perfeito do Bolt Thrower (…for Victory, se tu queres). Difícil não pensar em Fury Road ao assistir esse Furiosa: é o mesmo cenário, vários personagens se repetem e alguma cenas são set-pieces catastróficas, com escala e ambição de quem conseguiu um bom financiamento. É tudo muito massa, mas aquela alucinação e doiderismo de Fury Road tão diferentes aqui, ou até mesmo ausentes. A batida é outra, alguns personagens novos são intrigantes, mas não ganham espaço, Dr Dementus é chato bagarai, nem faz sombra pro eterno Immortan Joe. Taylor-Joy é competente, mas nada mais. Fui com sede ao pote e bebi meio que o necessário, não rolou aquele chapamento contínuo e quase perfeito do filme anterior. Tudo bem, porque cada minuto passado na Wasteland hoje em dia, é um bom treinamento pro que há de vir.

King Gizzard & The Lizard Wizard, 23/05 – AFAS Live, Amsterdam.

Esse show é o mais próximo que bróders do roquenrol vão chegar daquele momento do primeiro Dune em que os Sardaukar tão curtindo um throat singing antes de embarcar pra uma guerrinha. A banda é uma locomotiva sincera, afiada e muito divertida. Solo da gaita logo na primeira música, uns três vocalistas diferentes, centenas de solinho speed metal de guitarra. Muita cantoria sobre seres espaciais, doideras dimensionais e segredos biológicos ancestrais. Alguém da banda comentou que é surpreendente pra eles tocarem um show sold out dessa turnê que eles tão fazendo há uns anos já. Na verdade nem é: banda boa tem mesmo que ser prestigiada. Pra minha sorte, peguei esse show de um dos discos de metal deles e o show teve um setlist mais pesado, mais familiar pra mim. Mas mesmo nos momentos em que eu não reconhecia nada, ainda me diverti. De vez em quando o cara só precisa disso, um monte de barulho massa.

3 Body Problem, S01.

Todo o dinheiro do mundo não ajuda às vezes, mas faz umas cenas intensas como a fatiada do navio e o desligamento do céu uma doidera de se assisttir. O elenco é irregular, mas faz o possível com o que tem à mão (há uma vibe meio Westworld aqui, de que não vão conseguir manter esse ritmo por muito tempo). Um show que acerta e erra em proporções quase iguais, mas que se sustenta no material de origem – que demonstra ainda ser um baita material, mesmo quando adaptado fortemente. Sempre vou curtir uma distopia generalizada, que acontece em tempo real e não deixa ninguém incólume, e por isso, sem me ligar muito nos problemas da série, 3 Body Problem me conquistou um pouco. O coração quer o que quer.

Late Night with the Devil, 2023.

Infelizmente esse filme apareceu pra mim por conta da controvérsia sobre o uso de IA na produção de alguns lances (nem sei o quê) no filme, apesar de que eu teria dado uma assistida de qualquer forma, por conta do formato (o filme toca como a fita da gravação de um talk show que manda uma possessão ao vivo, claramente vou ver qual é). Sem entrar numas no uso dessas ferramentas, tou aqui pro terror, bróder. E o filme funciona como um bom segmento da série V/H/S – um pouco longo demais aqui e ali, mas competente em trazer a desgraceira e ritualismo para o primeiro plano. Entretanto, se nada funcionar muito, pelo menos aprendemos que Abraxas é negócio sério.

Civil War, 2024.

Um road movie apocalíptico que parece mais documental do pensei que seria. Me lembrou o Too Old To Die Young um pouco, aquela série inclemente do Refn. Me lembrou os melhores momentos da série The Purge, mas fatalmente me lembrou imagens que todos nós assistimos nos últimos anos: instituições sendo adornadas com pessoas portando rifles. O espelho que Civil War levante diante da plateia é distorcido, pouco claro de propósito. O desconforto desse filme é tremendo, que acaba por ser ineficaz. Não consegue ser distópico, ficcional ou fantasioso. Um filme resignado, que dá ao elenco (Wagner Moura finalmente em chamas, Jesse Plemons vazio) espaço. Mas para a audiência, te vira. Excelente.