The Bear, S01.

Tive um chefe em Frankfurt que dizia que Barbeiros de sucesso e renome geralmente contraiam uma condição que ele apenas chamava de A Doença. Quanto mais sucesso comercial acontecia e sua capacidade técnica evoluía, pior a pessoa se tornava como companheiro de trabalho ou como chefe. A Doença os tornava antipáticos, combativos, obcecados, narcisistas. Ele sempre fazia um adendo: é bem comum A Doença atacar chefs e cozinheiros também (talvez eles tenham sido os originários da condição toda, pensando aqui). The Bear é sobre A Doença e como ela contamina a vida inteira de quem a contrai, mesmo que intencionalmente. Usando um restaurante familiar em Chicago como centro do universo (curti que demora alguns episódios para se entender como o restaurante é por “fora”, pois tudo acontece na cozinha e nas portas dos fundos), a série se desenrola após o antigo dono cometer suicídio e deixar como herança o restaurante para o seu irmão mais novo, um cozinheiro prodígio que trabalhava como Chef de Cuisine no melhor restaurante do mundo em NYC (uma espécie de French Laundry futurista). Voltar para casa é sempre uma treta, ainda mais em condições como essas. Em uma temporada cheia de episódios engraçados (destaque para Oliver Platt roubando várias cenas), tristes e tensos, a série torna-se sobre luto, nerds de comida, tradições, laços familiares (de sangue ou de vida), sobre como encontrar espaço em comum entre pessoas que parecem não ter nada a ver uma com as outras – e sobre como muitos dos que acabam por adoecer sabem muito bem que estão adoecendo. Mas a cura é parar de fazer justamente a atividade que os define naquele momento. Ao falar sobre a sua experiência em NYC, o protagonista diz que vomitava todos os dias antes de começar um turno, dormia mal, teve o estômago completamente zoado e trabalhava para um sadista inclemente que lhe deixou com PTSD. Mas: era o melhor restaurante do mundo e era ele que comandava a cozinha, encontrando todo dia um novo plateau de excelência. O preço para fazer algo assim como profissão é alto, muitas vezes impossível de se pagar por completo e a conta chega de uma forma ou de outra: ou a mente quebra, ou o corpo. Ou os dois. É uma questão de tempo, apenas. E muita gente, quase todo mundo, não vai entender muito bem o que tu estás fazendo contigo mesmo. O alarme vai tocar mais uma vez e tu vais ter que levantar e começar um turno que sabes que irá consumir alguns porcentos importantes da tua existência. Mas tu não consegues parar. Trabalhar desse jeito é viciante e consome muito mais do que aquelas horas de trabalho. Emocionante, The Bear é uma série que pega o romantismo Bourdainiano sobre cozinhas e esculpe cenas que parecem ser sobre coisas simples, mas que importam muito mais do que parece ser possível.