Os primeiros episódios me seguraram, mas a certo custo. Continuei, pela viagem. O truque me foi revelado, num arroubo que faria Shinji (ou Elliot) simpatizar. Muito bem feito, Grotesquerie. Me roubou a capacidade de dizer eu já sabia que isso ia acontecer. Porque fazer o que, mais da metade de uma temporada, e daí apertar o botão de foda-se e inverter tudo nos últimos episódios, só para apertar o botão de mais uma vez bem na reta final. Continue assim, queimando tudo e todos sem perdão (e fazendo episódios brutais como aquela bad trip no deserto, que maravilha de inferno). O estranhamento que vinha sentindo com a série começou a ser sentido pelo seu protagonista, e aí sabia que eu tinha sido engabelado – isso não é só mais uma temporada de American Horror Story, há algo diferente aqui. Fazendo um elo improvável entre True Detective e Twin Peaks, abriu-se uma(s) temporada(s) inteira a ser explorada, porque parece que estamos apenas começando.
Não era pra ser a minha, uma série policial de comédia, que se passa nos Keys da Flórida. Entrei mais pelo Vaughn, e talvez porque algum cliente me recomendou. Não me recordo. De qualquer forma, ainda bem que entrei nessa. Tem coisas que o cara não sabe que precisa, mesmo que seja meio óbvio. Terminar o meu verão assistindo semanalmente as estripulias do ex-detetive Yancy, era uma dessas coisas. O senso de humor e o toque de espiritualidade pós-hippie da série me pegou. Como os episódios demoravam, comecei a ler o livro do Hiaasen pra degustar a vibe mais um pouco. Terminalmente engraçado, mas sem o toque reflexivo de meia-idade da série. Sempre curioso ver que livros possuem vários personagens velhos e feios, que viram jovens bonitos na TV. Terminei o livro, a série, o verão. As coisas parecem não mudar, mas nada se mantém o mesmo, certamente. Da série, fica o exercício de desprendimento como lição (lição essa que me foi apresentada pelo velho Bourdain). E toda lição será repetida inúmeras vezes, até ser aprendida.
Se tu fechas os olhos em alguns momentos de um show do GY!BE, o transporte é imediato (para onde, depende mais de ti). A banda age como uma orquestra colossal, tecendo camadas incontáveis de barulhos, drones, cordas e dedilhados, que ocasionalmente são interrompidas ou guiadas por uma bateria que pesa toneladas. Há um arco, uma história a ser contada no palco. As projeções, vindas de quatro projetores analógicos de 16mm, são pouco sutis: começa-se com imagens bucólicas e calmas, passando por imagens de cidades infinitas vazias, daí para metrópoles guiadas por corporativismo, culminando em indústrias queimando e se engolindo. A banda recusa ser iluminada, tocam quase no escuro, deixando a tela imensa em cima deles ter toda a luz. Se estamos nas 23:59 dos nossos tempos, o GY!BE quer deixar claro que está bem ali conosco, como os produtores de um som que, em seus melhores momentos, parece ser o som de tudo colapsando em si mesmo. Testemunhamos e celebramos nossa própria queda, de uma forma irrepreensivelmente bela. Assim como no show anterior que vi, a sensação é de que temos que continuar caminhando. A única saída parece ser manter a ternura e alguma esperança no bolso. Por uma segunda vez pude experimentar essa banda e ter, por algumas horas, a certeza de que pelo menos não estou completamente sozinho.
Tava pensando, enquanto assistia, que acho que nunca terminei uma série do Ryan Murphy. Talvez alguns episódios ou até mesmo uma temporada toda, mas nunca um bagulho inteiro. E nem foi ele que me atraiu até Grotesquerie. Como órfão eterno da S01 de True Detective, ainda busco aquela chapação em quase todo show criminal que cruzo. Tem algo estranho nessa série, de qualquer maneira. Fico em dúvida se devo levar a sério tudo que me aparece, pois o sentimento de que essa ou aquela cena/sequência/personagem é um sonho, delírio, imaginação, é forte (ou: quase caricato). Talvez seja sempre isso que me afasta das séries do Murphy: não sei onde pôr a minha atenção pra valer: na série em si, do jeito que é, nos personagens e suas versões dos eventos, em mim e minha interpretação? De vez em quando o roteiro vai de pitch perfect ao mais novela das 8 possível, o que não ajuda. É um equilíbrio custoso – e não de uma forma empolgante, mas desgastada. Decidi encarar Grotesquerie como a caminhada ao inferno da detetive Lois Tryon, do jeito quer for. Não sei até onde vamos, ou se ela vai chegar lá. Mas por enquanto, estamos juntos.
Quando os sons iniciais de First Breath After Coma começaram a ecoar pelo Paradiso, entrei em um túnel mental, lembrando que um dia fui um moleque descobrindo os discos dessa banda – que sempre esteve presente na minha vida, ao que parece. Dos meus primeiros corações partidos, dores da adolescência, confusão da vida adulta de um cara latinoamericano. De tudo que EITS me ajudou, sendo trilha sonora (literalmente ou não). Lembrei da única parceira que tive que também ouvia a banda, da sua fender vermelha, dela sentada em um colchão em um apartamento no Ipiranga (talvez ela gostasse de saber que a banda inteira só toca fender também). O ressoar emocional dessa banda mudou, porque eu também mudei. As tretas de um jovem já passaram há muito. A conexão é diferente agora. Mas: chorando, realizei o sonho desse moleque de ver essa banda ao vivo, de estar presente, de estar no lugar certo para poder ouvir as melodias que tanto ecoaram nos meus falantes, fones de ouvido e em minha cabeça por décadas. No palco, caras velhos também, tocando com a maestria de quem está na estrada há 25 anos. Nada fora do lugar, nada estranho, só uma banda sendo o que é. Coisas que nunca achei que iria experimentar – e que sinto uma gratidão singular por ter conseguido. Quando The Only Moment We Were Alone começa a encerrar o show, sorriso toma conta da tristeza. Que longa vida, por mais breve que pareça. Que viagem.
Nada como ver um filme de terror que curte ser filme de terror, numa sala de cinema. É sempre massa estar compartilhando aquela doidera com um grupo de anônimos, de frente para uma tela imensa. Longlegs é cinematograficamente uma delícia, tu ficas vários momentos apenas apreciando a vibe, até esquecendo dos horrores todos que são te apresentados em cascata. Não sabia muito sobre o filme, de propósito. Gostei do satanismo desenfreado e da vibe noventista que me lembra ser criança e me auto amedrontar assistindo Arquivo X. Como é bom levar uns sustos, ver umas coisas novas e ter aquele sentimento de estar fazendo algo muito da hora, escondido na última sala, quase no porão, de um cinema.
Tu chegas pela Centraal, aluga uma OV fiets na garagem de trás da estação, pedala por uns cinco minutos ali por trás mesmo, seguindo o rio, até o Muziekgebouw aan ‘t IJ e tomas uma cerveja na pressão, pois descobres que não dá pra entrar na sala com bebidas. O dia é bonito, o pôr do sol é um dos mais bonitos da cidade e tu estás de bermuda – não é tarefa difícil, entornar uma mais rápido. A sala é ampla e confortável, o som limpo. Impressionante em sua pureza e potência. As paredes são cobertas em algum tipo de painel de luz e a sala toda acende e pulsa. Alabaster DePlume entende, controla tudo e te deixa confortável. É um dia bom. Mesmo que ele diga que chegou alguns minutos antes do soundcheck, dessa vez. Quando ele termina de tocar, agradece o espaço de tempo compartilhado. Tu também.
Pegas a bike, descendo até a estação de novo. Ainda tem sol, aquele baixo, crepuscular. Os últimos vinte minutos púrpuras de um dia de verão. Tu chegas na ferry, entra empurrando a bike e atravessa, indo em direção ao Parallel, um club que parece ser copiado de algum club de São Paulo. Cheio de plantas, com ainda algum aspecto de casa. Som pedrada, feito para altos bpm. Oklou, após um false start, confessa que é a segunda vez em três anos que toca ao vivo. E da outra vez deu false start também. Tudo bem, porque quando começa, é tudo que tu esperavas. De hoodie, shorts estilo de ficar em casa e botas pretas, ela te dá a impressão que estás no quarto dela, ouvindo alguém tocar os sons que gosta e cantar e dar uma dançadinha quando quiser. Excelente. Ainda indeciso, incompleto, como show. Mas muito bom justamente por causa disso. Depois, tu pensas em ir ver um Huerco S. e talvez Nosaj Thing, mas os trens tão todos zoados e chegar em casa vai te custar mais umas duas horas que o normal. Melhor mandar um wrap sentado na beira do rio, entrar na estação sem pressa e voltar pra casa, ainda sentindo o vento vindo do rio bater nas pernas.
Tem aquela do Black Alien: o que eu quero e o que eu preciso nem se reconhecem quando se encontram na rua. Uma temporada que parece ser a metade de uma coisa toda. Levando tempo para fazer algumas coisas, curtir o processo, como se diz no linguajar dos nossos tempos. Apresentando lindas cenas a todo momento, a série não expande, ou: resiste expandir. Olhando para dentro cada vez mais, tentando responder questões que apareceram lá nos primeiros episódios. A rotina como um triturador de roteiros. Tudo acontece, menos o que tu precisas que aconteça. Talvez a única temporada até agora de The Bear em que a série que começa a se entender melhor. Progresso, não perfeição.
Uma banda perfeita. Por uns meses fui viciado no primeiro disco do quarteto punk de Kyoto, anos atrás. Foi um daqueles discos que te renovam a paixão por um estilo musical, ou, por música em geral. Uma banda perfeita, sempre achei. Ao vivo: potente e pesada. Te deixam com um sorriso estamapado na cara. Soam grande, como era de se esperar. Incrivelmente afiadas, tanto que a vocalista usa os sons de inspirar como deixa para a banda descambar em rolos compressores de punk da mais crocante qualidade. Que maravilha que é ver a baterista Kaho Kiss tocar: sentada com ótima postura e sorrindo gentilmente, esmerilha o kit com precisão e fúria, sem parecer nem borrar a maquiagem ou bagunçar o cabelo. Uma mestre. Felizes por tocar em um Paradiso cheio, não deixaram ninguém escapar. Uma banda punk japonesa abrindo um mosh pit em Amsterdam é uma doidera de se ver em uma quinta-feira, mas se tem uma banda que sabe que consegue fazer isso, é a Otoboke Beaver.
Antes de entrar em Mayonaise, Billy disse here’s a song that we wrote in ’92. E quase me fez chorar, porque poucas canções soam assim, ao vivo. Um presente, de uma banda antiga, que viveu várias vidas em suas décadas de atividade. Tocaram por algumas horas, mandando mais de 20 músicas (em algum momento James Iha deixou escapar no microfone “just 9 songs more” – pode ser o melhor trampo do mundo, mas ainda é um trampo), entre covers de U2, brincadeiras com riffs de Lenny Kravitz e versões secas, mas muito poderosas, de seus hits. Se o Interpol, que fez um set competente de abertura, soava como um Mustang antigo, o Smashing Pumpkins soou como um navio de guerra aposentado, sem ver tretas há muito tempo mas ainda capaz de assustar quem quer que seja (teve um momento ali que o Chamberlin conseguia fazer a bateria dele mais pesada que muita banda de metal carcomida, uma doidera). Uma banda de uma rara estirpe, que não se vê ou ouve mais, dando uma noite de puro som e alguma fúria aqui e ali. Que jeito de terminar uma semana: indo sentar lá no fundo da arena, cantar umas músicas que cresci ouvindo, ver Billy e Iha se entrelaçarem ao tocar os solos de Rhinoceros (outro presente) e depois pegar a bike e pedalar de volta pra casa, curtindo a cidade, em seu mais puro crepúsculo de verão. Um dia perfeito.
Terça-feira quente no centro da cidade. Quente mais ainda no porão de um barco, onde o palco do Vessel 11 é. Conseguimos sentar ali do lado do Greg, podendo ver a pedaleira hammond que que usa como baixo, o rhodes todo cheio de cabos e o iphone que ele consultava, como quem lê notas, para saber como achar os sons que precisava para cada música no emaranhado de instrumentos que ele tocava. Moses Boyd na bateria, acompanhava Greg criando um balanço pesado e experimental que parecia inevitável quando os dois começavam a tocar juntos. Boyd transformou os sons leves de Greg em pancadas psicodélicas, com a manha de quem sabe o som que tem e como ele combina com outros. Teve um momento ali que Boyd tomou um gole da garrafa de água no seu pé, notou que a garrafa era de vidro e prontamente a colocou em cima da caixa e começou a tocá-la. Grooves de mestres para uma noite clara de verão. Obrigado Greg e Boyd.
Sempre quis uma vida simples. O que não necessariamente significa ter uma vida fácil. Mas às vezes, por um certo número de dias, talvez semanas e (se o universo sorrir) meses, as duas coisas se sobrepõem e eu tenho o privilégio de viver dias perfeitos que parecem sem fim, onde o simples e o fácil se entrelaçam e eu me vejo cantando Racionais na bicicleta ou cortando o cabelo do baixista de uma banda que admiro- ou tendo tempo o suficiente em uma sexta para assistir esse filme todo antes de ir dormir. Reconhecer o próprio privilégio é fundamental. Hirayama pratica a arte de notar, inspirar e deixar passar. Ele parece entender o privilégio do seu trabalho, rotina, cidade, casa e, finalmente, a vida inteira que leva. Tento fazer o mesmo. A solidão também é um privilégio, um benefício, um presente, como diz aquele poema. Há um custo, claro, pessoal e intransferível para cada um. Mas: que vida. Ele lá indo de bike por Tóquio pegar um livrinho, eu aqui de bike aqui em Rotterdam indo assistir um filme depois do trampo. A gente chora e sorri ao mesmo tempo, porque no final, é a mesma coisa. Ser testemunha da própria existência, e por consequência de todo mundo, é talvez a única coisa que realmente importa pra mim. Perfeição é o que tu quiseres que seja.
Apareceu no meu feed e tinha pego, pois Farrell em vibe neo-noir né. Não assisti logo de cara, mas um cliente me recomendou e decidi ver qual é. Não sabia do envolvimento do Fernando Meirelles e nem dos caras do Jazz is Dead. Boas surpresas. Que série estranha. Quase arthouse em alguns momentos – ou quase Lumetiana. Cheia de momentos komorebi, muito bem representados por Farrell e bem montados por Meirelles. Demorou pra eu entrar na vibe, o piloto foi meio dureza mas ali pelo segundo episódio, eu tava all in. Um detetive gentil, viciado em filmes, que anda pelo mundo com a estranheza peculiar de um eterno estrangeiro. Sentimentos familiares, aconchegantes até, pra mim. Uma série feita sob medida para eu poder pensar em tudo que vivo na última década. Assim como Sugar se refugia em filmes, eu me refugiei nessa série. Deixando as tretas do mundo dele ofuscarem as minhas, só por um momento.
Nunca pensei que ia ver o Tool ao vivo. A banda me apareceu bem naqueles anos ideais da adolescência, em que o perigo começa a fazer sentido. Tu tás com tesão e nem sabe do que, aí ficava fácil começar por música. E o Tool entregou algo pra acompanhar isso: quatro discos perfeitos. Abriram minha cabeça pra todo um monte de coisas. A singularidade do Tool é semelhante ao do Radiohead pra mim. Não comparo muitas bandas e muitos sons a eles, porque nem tem como. E assim que tomaram o palco do sold out Ziggo Dome, mostraram porque são o que são. Uma pedrada, menos sensual do que lembrava, mas muito mais sisuda e definitiva. A banda sabe como e o que quer. Que banda. Quatro bróderes que tocam com a técnica de quem nem pensa mais nesse tipo de coisa, pois passaram dessa. Uma viagem no tempo pra eu me ver adolescente, querendo ser dark e querendo me sentir o tempo todo daquele jeito que os discos do Tool me faziam sentir. Tocaram muito mais dos discos recentes, dando apenas uma acenada pros dois primeiros. Todos nós envelhecemos, normal. O Tool de hoje em dia é menos liga torta, mas ainda fascinante. Por um espaço de tempo, lembrei de noites jogando Quake, lembrei daquela virada de século niilista, lembrei de uma vida toda que pareceu a única coisa que eu ia viver. Envelhecer é um privilégio, e ter podido pagar a pequena fortuna que foi para ver uma banda tão única quanto o Tool, é um privilégio importante. Um som que para sempre estará marcado nas minhas memórias, primeiro de adolescente, agora de velho. Excelente vida, baita sorte.
Perdi o Fury Road nos cinemas, mas se tornou um dos meus filmes prediletos desse século bem normal que estamos vivendo. É um blockbuster perfeito, que na sua versão black and chrome torna-se um disco perfeito do Bolt Thrower (…for Victory, se tu queres). Difícil não pensar em Fury Road ao assistir esse Furiosa: é o mesmo cenário, vários personagens se repetem e alguma cenas são set-pieces catastróficas, com escala e ambição de quem conseguiu um bom financiamento. É tudo muito massa, mas aquela alucinação e doiderismo de Fury Road tão diferentes aqui, ou até mesmo ausentes. A batida é outra, alguns personagens novos são intrigantes, mas não ganham espaço, Dr Dementus é chato bagarai, nem faz sombra pro eterno Immortan Joe. Taylor-Joy é competente, mas nada mais. Fui com sede ao pote e bebi meio que o necessário, não rolou aquele chapamento contínuo e quase perfeito do filme anterior. Tudo bem, porque cada minuto passado na Wasteland hoje em dia, é um bom treinamento pro que há de vir.
Esse show é o mais próximo que bróders do roquenrol vão chegar daquele momento do primeiro Dune em que os Sardaukar tão curtindo um throat singing antes de embarcar pra uma guerrinha. A banda é uma locomotiva sincera, afiada e muito divertida. Solo da gaita logo na primeira música, uns três vocalistas diferentes, centenas de solinho speed metal de guitarra. Muita cantoria sobre seres espaciais, doideras dimensionais e segredos biológicos ancestrais. Alguém da banda comentou que é surpreendente pra eles tocarem um show sold out dessa turnê que eles tão fazendo há uns anos já. Na verdade nem é: banda boa tem mesmo que ser prestigiada. Pra minha sorte, peguei esse show de um dos discos de metal deles e o show teve um setlist mais pesado, mais familiar pra mim. Mas mesmo nos momentos em que eu não reconhecia nada, ainda me diverti. De vez em quando o cara só precisa disso, um monte de barulho massa.
Todo o dinheiro do mundo não ajuda às vezes, mas faz umas cenas intensas como a fatiada do navio e o desligamento do céu uma doidera de se assisttir. O elenco é irregular, mas faz o possível com o que tem à mão (há uma vibe meio Westworld aqui, de que não vão conseguir manter esse ritmo por muito tempo). Um show que acerta e erra em proporções quase iguais, mas que se sustenta no material de origem – que demonstra ainda ser um baita material, mesmo quando adaptado fortemente. Sempre vou curtir uma distopia generalizada, que acontece em tempo real e não deixa ninguém incólume, e por isso, sem me ligar muito nos problemas da série, 3 Body Problem me conquistou um pouco. O coração quer o que quer.
Infelizmente esse filme apareceu pra mim por conta da controvérsia sobre o uso de IA na produção de alguns lances (nem sei o quê) no filme, apesar de que eu teria dado uma assistida de qualquer forma, por conta do formato (o filme toca como a fita da gravação de um talk show que manda uma possessão ao vivo, claramente vou ver qual é). Sem entrar numas no uso dessas ferramentas, tou aqui pro terror, bróder. E o filme funciona como um bom segmento da série V/H/S – um pouco longo demais aqui e ali, mas competente em trazer a desgraceira e ritualismo para o primeiro plano. Entretanto, se nada funcionar muito, pelo menos aprendemos que Abraxas é negócio sério.
Um road movie apocalíptico que parece mais documental do pensei que seria. Me lembrou o Too Old To Die Young um pouco, aquela série inclemente do Refn. Me lembrou os melhores momentos da série The Purge, mas fatalmente me lembrou imagens que todos nós assistimos nos últimos anos: instituições sendo adornadas com pessoas portando rifles. O espelho que Civil War levante diante da plateia é distorcido, pouco claro de propósito. O desconforto desse filme é tremendo, que acaba por ser ineficaz. Não consegue ser distópico, ficcional ou fantasioso. Um filme resignado, que dá ao elenco (Wagner Moura finalmente em chamas, Jesse Plemons vazio) espaço. Mas para a audiência, te vira. Excelente.
Enquanto Tommy mexia em um pequeno projetor, conectado a um celular velho, que jogava sobre o amplificador e um pouco sobre suas pernas imagens semelhantes ao que tu vês quando olhas pela janela de uma viagem de carro longa, pensei, que fita: deve fazer uns quinze anos que vi ele tocar em uma casa na Vila Madalena. E faz mais de vinte anos que ouço a música dele. Nesse show, o seu irmão, Tony Guerrero, abriu pra ele e contava entre uma música e outra que eles tocam juntos desde criança, que aquela era a primeira vez que ele tava viajando com o irmão e abrindo os shows dele. Logo depois, Tommy também comentou no final do seu show que algumas daquelas músicas tinham mais de 30 anos e outras ele ainda tava compondo e experimentando. Envelhecemos, bróder. Ou: tempo versus prática, paciência e trampo. Parece ter sido essa a temática da noite. A timeline dos Guerrero é bem diferente da minha. Mas que bom foi termos nos encontrados pela segunda vez.
Por mais de duas horas, Nils arrancou sons e melodias que iam de minimal à puro noise de uma coleção de 12 (ou 13?) teclados, sintetizadores modulares e uma glass harmonica (e um rhodes, e juno 60s etc). Uma experiência que me atravessou de vários jeitos. Ver alguém conjurar música assim foi um privilégio. Andar pelo Concertgebouw, um lugar lindo, construído por pessoas que há muito se foram e agora acessível a gente como eu, também foi impactante. Nils comentou que foi como tocar em uma igreja. Talvez, mas nunca me senti assim em uma. O som batia forte, mesmo em seus momentos mais delicados. Nils demonstrou uma disciplina afiada, mesmo quando não parecia que ia acontecer, fazia a montanha emaranhada de instrumentos conversarem entre si. Percebi que ouço a música dele há muito tempo, minha coleção de discos que lançou é bem grande até. Caminhamos juntos por muito tempo, e naquela noite de quinta em que tudo deu certo pra mim, nos cruzamos pela primeira vez.
Ser envelopado por esse filme foi um tremendo presente de aniversário. Lembro que quando era criança, não entendia por quê falavam tanto sobre o nome do diretor de um filme, porque pra mim, o ator era o mais importante né, não tem filme sem ele. E ele só precisa ir ali pra frente da câmera e falar umas coisas, atirar nuns caras, correr daqui pra lá. De certa forma isso era cinema pra mim, só pessoas fazendo algo que iriam fazer de qualquer forma, se a câmera tivesse aqui ou ali, não importava muito. Assistir filmes como Samsara me dá a mesma sensação que tinha quando não sabia como se fazia cinema. É algo que aparece na tela, sem direção, sem roteiro, estaria acontecendo de qualquer forma. Quando esse filme decide virar a luz e o som em tua direção e te guiar, não tem muito o que ser feito. Tudo que tinha para acontecer para tu chegares nesse ponto, aconteceu já.
Quase parece um filme de ficção científica. Essa imagem de prédios e prédios trancados por um muro enorme que os mata aos poucos, e pessoas morando logo do outro lado de fora em uma normalidade áspera. O som desse filme te assombra, e, infelizmente, tenho que ser o cara que diz que esse vai ter que ser no cinema, em casa não vai bater do mesmo jeito. Minhas impressões iniciais não foram lá muito positivas, achei bom e tal. Mas, tal qual Under The Skin, continuei pensando nesse filme dias depois de assistir, lembrando algum detalhe, pensando em como me senti observando algo que, em um momento brilhante, me olhou de volta. Assombramento, cinismo, hipernormalidade. Um espelho que se abre em tua frente.
A linha de tempo sempre é longa. Nessa temporada, a nova showrunner Issa Lopéz aumenta o possível horror cósmico, a tristeza, a escuridão e tenta levantar um espelho trincado para a mítica S01 (uma treta infinita), que, tal qual um disco debut de uma banda que nunca foi superado, parecia intocável/inalcançável pelo seu próprio criador. Talvez a nova perspectiva fosse necessária, pois nesses dois episódios a série volta a sofrer menos de si mesma. Mesmo que eu goste da S02 (uma dureza infinita) e S03 (uma tristeza infinita). Todavia, até agora, não é tão perfurante quanto a S01 foi. Aumentaram o teal & orange, colocaram Jodie Foster destruindo tudo e todos e trouxeram ciência assustadora para a narrativa. Coisas que funcionam, veja bem. Pode ser que role. Tenho grande apreço pela S01, na época ela me apareceu logo depois que vivi meus mais tristes Anos De Coração Partido (como foi bom ter sido jovem). Eu estava singularmente pronto para aquilo, compartilhava as mesmas leituras que o Pizzolatto, tinha passado anos mal lendo Ligotti e Brassier, descoberto algumas coisas que o cara descobre sobre si mesmo nesses tipos de anos. De certa forma até, por um tempo emulei Rust por ter me surpreendido com a conexão que desenvolvi com essa série. Escrevi para alguns sites de graça sobre a S01, contava pra todo mundo. Que felicidade que foi. Que importante que foi pra mim. Meio que estou vivendo os meus anos de Rust no Alaska neste exato momento, 8 anos de frio (a treta é infinita). Mas passou, não se repetiu e foi seriamente distorcida por muita gente que assistiu. É para sempre um lance que vai amaldiçoar a série inteira, tal qual Illmatic deve assombrar o Nas. Ainda temos quatro episódios restantes nessa S04. Espero que seja divertido e fatal como deve ser, porque até agora: tá indo bem. Uma noite interminável.
O ano dos antigos. Talvez essa tenha sido o tema de 23 [ou] só acaba quando termina. Resolvi esperar até o último momento pra fechar essa lista, coloquei todos os discos no shuffle do celular e adicionei alguns e removi outros nas últimas semanas. Deu bem certo, pois apareceram alguns que deixei passar e eu pude ter uma melhor noção de como o ano soou pra mim. Ah, também fiz uma playlist de tudo no spotify (menos uns discos que não apareceram pra mim aqui), tomae.
Submersion – Entrainment Sentar para tomar um café bem cedo, antes do trabalho e me deixar afogar por esse disco, um dos prazeres do ano.
Kannabinõid – MASS Capaz de ser o Disco Do Ano pra mim só porque me coça uma coceira que tenho há muito tempo: é possível ser inovador, divertido, doidera e muito pesado dentro da tag stonerdoom, tag essa que tem dezenas de releases nos últimos que não só te cansam como pouco te entretém, mas aí aparece um tipo esse e terraplana geral. Que disco.
Art Themen & Greg Foat – Off-Piste Para dias de folga e agendas vazias.
Croatian Amor – A Part of You in Everything O que acontece quando tu cresces ouvindo Burial todos os dias [ou] um artista ainda em plena ascenção.
Arooj Aftab, Vijay Iyer, & Shahzad Ismaily – Love In Exile A beleza de ser experimental, assombrado e necessário.
Black Sky Giant – Primigenian Um desses discos do começo do ano que se seguraram bem, uma banda que sabe demais.
JVXTA – Euston Blues Ouvi bastante. Sempre curti essa área entre o deep house e o ambient, e o equilíbrio aqui é coisa de mestre. Como é bom encontrar discos como esse.
Larry June & The Alchemist – The Great Escape I’m driving the whip so fast, I can’t control it / I’m fishtailin’ leavin’ Javier’s, I should’ve chauffeured. Todo ano tem que ter uma produção do Al na minha lista, esse ano escolho essa.
Sean La’Brooy – There’s Always Next Year Põe um chambre, faz um omelete num domingo de manhã com aquela colherada de catupiry extra, coloca esse disco. Fica tudo delícia.
Atmosphere – So Many Other Realities Exist Simultaneously You better love yourself today because tomorrow will be harder. Obrigado por mais esse. Como tem sido bom ter todo ano um disco novo do Atmosphere véio.
a.s.o. – a.s.o. Se esse disco me aparecesse numa dessas mega playlists de trip hop 90s do spotify, eu teria acreditado que era algo da era que eu simplesmente não conhecia. Esse duo australiano radicado em Berlim tem a manha. Acho que li alguém descrever que é como se o Portishead e o Massive Attack circa fim dos anos noventa colaborasse em um discão.
Jessy Lanza – Love Hallucination Faz uma cota que a Jessey Lanza tá fazendo a dela. Esse disco me lembra olhar pro cd da Immaculate da Madonna na estante da casa de um amigo quando era moleque, lembra sutiã branco, lembra verões não vividos.
La Iglesia Atomica – Los Demonios Andan Sueltos Supercabróns direto de San Juan. Meu stoner doom fuzzed out do ano. Assim como o Church of Misery, são também veteranos que decidiram mostrar pro mar de stoner bands que é assim que os antigos faziam.
Sofia Kourtesis – Madres Um presente. De vez em quando temos o privilégio de testemunhar um artista fechando um círculo perfeito. Sofia não só faz isso, como cria uma ponte da américa latina pra Berlim enquanto te faz balançar.
King Gizzard and the Lizard Wizard – PetroDragonic Apocalypse; or, Dawn of Eternal Night: An Annihilation of Planet Earth and the Beginning of Merciless Damnation Curto um King Gizzard mas percebi que na minha coleção de discos só tenho os de metal deles. Não por acaso: são o bicho. Esse ano tivemos mais um desses, uma pedrada podre, cheia de bons momentos e uma mitologia doidera que embala tudo e te deixa ligadão.
Jungle – Volcano O disco salvador de dias do ano. Como é possível que o Jungle nunca erra né, mesmo depois de todos esses anos. Os vocais desse disco são de fazer qualquer um sorrir.
Wayfarer – American Gothic Acho que sempre quis um disco assim, que mistura aquele som empoeirado de americana amaldiçoada com o nosso atmospheric black metal de cada dia. A última vez que me senti assim foi talvez ouvido Howl do Black Rebel Motorcycle Club, um dos meus maiores discos de todos os tempos.
The Hives – The Death of Randy Fitzsimmons Todo esse tempo que passou desde que começamos a ouvir Hives serviu só pra sedimentar que banda boa é um lance imortal. Obrigado pelo serviço prestado nessas DÉCADAS.
Jonny Nash – Point of Entry Começa com uma guitarra e vai até o infinito. Um título perfeito pro que o disco é. Vai, que dá. Uma beleza.
Church of Misery – Born Under a Mad Sign Uns sete anos depois do seu último disco, os veteranos do Church Of Misery voltam com uma liga tortíssima, pesada e cheia de calos. Doidera ser tão antigo na cena stoner doom (acho que eles começaram em 1995) que deu tempo de ver o lance morrer e renascer.
OZmotic – Senzatempo Chamar o Fennesz pra tocar no teu disco. Lavar o ouvinte com som.
Hot Mulligan – Why Would I Watch Tudo bem, nós temos Hot Mulligan, baby. Como é bom ser emo.
Dead Sea Apes – Rewilding Uma desgraceira sem tamanho. Truculência e apavoramento vindo desse trio. Demorei pra ouvir esse, nas repeti demais.
Biosphere – Inland Delta Um som característico, que tu sabes que é Biosphere logo de cara. Soa como se tu tivesses um dia de folga e antes de levantar da cama, decidisse voltar a dormir só pra sonhar mais um pouco.
Czarface – Czarficial Intelligence I was raised less than a parsec from Geonosis / The mic you use it wrong like cops with police batons / Your feature song is trash so to even turn the speaker on is / Pointless like Nerf knifes, or the second B in bomb. Assim me acostumo a todo ano ter um disco do Atmosphere, um do Alchemist e um do Czarface, época boa para se viver.
maya ongaku – Approach to Anima Que todos os nossos sonhos tenham a trilha sonora de maya ongaku. Aquela vibe Morphine que aparece aqui e ali nesse belo disco é o que sempre me pega.
crimeboys – very dark past Nem vou escrever nada: “Special Guest DJ & Pontiac Streator are crimeboys, here delivering a debut album volley of ambient jungle and trip hop dub paying homage to influences including Vangelis, Burial, Silent Hill and the putative effects of N ₂O.”. Te joga.
Spangle call Lilli line – Ampersand Como um amigo que tu não vês há muito, mas que parece que sempre esteve ao teu lado. A internets me diz que essa banda se formou em 1988. Imagina viver uma vida inteira tocando esse som delicioso que o Spangle call Lilli line tem. Mantendo a vibe, sempre, Ampersand é mais um excelente disco numa discografia extensa e cheia de coisas boas. Ouvir a voz da Kana Otsubo é sempre um poderoso refresco mental.
Lee Gamble – Models Decidindo fazer vaporwave da forma mais difícil, o que acaba sendo bom pra gente. Uma aula.
Lisabö – Lorategi Izoztuan Hezur Huts Bilakatu Arte O Ezlekuak deles de 2017 é o tipo de disco que sempre acabo voltando pra ouvir. Um daqueles que tu gostas de graça. Esse ano, eles soam diferentes, mas ainda cabulosos e impressionantes. Se tu não manjas, é como se o Swans, Fugazi e Sonic Youth fossem morar em um castelo e decidissem ser uma banda só.
Kali Malone – Does Spring Hide Its Joy Se liga quem tocou com a Kali nesse disco: Kali Malone: Composition & Synthesis Stephen O’Malley: Electric guitar Lucy Railton: Cello Vai com cuidado.
Laurel Halo – Atlas Saindo de uma festa de madrugada, sentando numa praça nublada. Curando. Trilha sonora para aqueles momentos em que tu não sabes se o que tá acontecendo é um deja vú, sonho ou realidade.
Cavalera Conspiracy – Morbid Visions Hehe. Desculpa. Regravando as podreiras que nós amamos, mantendo o sotaque arrastado. A arrogância da juventude encontrando o apuro da vida adulta. Divertido e errado, mas tudo bem.
Billy Woods – Maps I will not be in the Green Room if it’s too lit / Could be at the local greasy spoon or Szechuan establishment. Billy sabe o que quer e como quer.
Overmono – Good Lies Se aquele disco do Jungle salva dias, esse é mais pra pesar um dia que tá ainda tá na balança. Acho que em nove de dez vezes, vai pesar pro lado que tu precisas.
Explosions in the Sky – End O fim segundo os antigos do post rock. Juntando a vibe OST em que eles tanto tramparam nos últimos anos com o mais puro e emocional som que só o EITS consegue fazer. Que todos os fins soem assim.
Ryuichi Sakamoto (坂本龍一) – 12 O adeus de Sakamoto, tal qual em um exercício de escrita, ele tentou se curar com música e quem se beneficiou também foi a gente: “I had no idea what I was going to create, I just wanted to be bathed in “sound”. Até mais, mestre.
Acho que esse é o Don’t Look Up pra fãs de Mr. Robot. Um filme espinhento, com um roteiro armado pra incomodar, mas ao mesmo tempo espaçoso o suficiente para atiçar curiosidade que fatalmente vai te trair. Entendo quem não gostou. As metáforas visuais, narrativas ou tão rasas que quase não são metáforas – ou talvez nem eram pra ser – te atingem de todos os lados e em clássica maneira anti-hollywood (o filme vem de um livro, no final das contas) o crescendo não revela muito mais do que foi especulado e não te dá 45 minutos de pancadaria e tiroteio pra satisfazer a curiosidade. Esmail tem produzido coisas espetaculares como Homecoming desde que terminou Mr. Robot, e acho que esse filme é ele tentando atingir o mainstream (com ajuda dos… Obama) sem deixar de lado as particularidades que ele passou anos afiando em seus shows de TV (aliás esse filme tá dentro do universo de Mr. Robot, vê-se Evil Corp aqui e ali e há referências à algo que aconteceu em New Jersey). No final das contas, a lentidão serve apenas para criar mais desconforto, deixando o elenco fazer o que quiser com o roteiro (bom, meio mão pesada tipo Barbie, mas acho que a tônica desse ano em Hollywood foi essa) e deixando claro que é um filme feito pra ser divisivo e meio canalha. Tudo bem, ninguém é inocente aqui.
Comfort food em forma de filme do David Fincher. Quando esse filme foi anunciado, sorri. Gosto muito do Gibi francês em que se baseia, achei que algo dali seria excelente na tela, mas: David Fincher (e talvez: Netflix). Ele basicamente despe a história de si mesma, chegando a um minimalismo procedural que consegue ser sério, como um Le Samourai pós-era da vigilância, mas que sofre um pouco de si mesmo, chegando a lembrar um John Wick sem krav magá (apesar de que aquela cena de luta é uma aula de desgraceira). De qualquer forma, divertido, cético e romântico. Parece que hoje em dia todo diretor ganha um filme de gibi pra si, e acho que esse é o mais perto que veremos Fincher de fazer algo de super herói. E qualquer filme que tenha Tilda Swinton se divertindo bagarai como uma assassina é recomendável pra mim.
Vi que saiu essa temporada, uma continuação direta do filme que curti bastante, baixei e deixei maturar no hd. Sabia que era exatamente o que precisava, pois quase todo o cast volta e na produção vários nomes se repetem. Inevitável pensar nessa primeira temporada com um The Bear em Londres, mas não dá pra comparar, quando se começa a assistir, as duas séries são diferentes, apesar de compartilharem o mesmo tipo de universo. Boiling Point tem menos tempo para se desenvolver, cada episódio é uma cascata de tretas e tensão e talvez (somente talvez) alguma glória. Fora do mundo Michelin de The Bear, Boiling Point é mais sobre sobreviver do que ser excelente. Ninguém liga se um restaurante abre ou fecha as portas – ainda mais numa cidade como essa. A intensidade que a série consegue ter se dá em parte pelo ritmo inclemente (semelhante ao filme), pela atmosfera de cozinha em chamas (retratada com excelente humor) e pelas limitações particulares da sua produção (claustrofobia como ferramenta narrativa). Uma baita série.
Tava no trampo falando de Loki e decidimos que é a melhor coisa que a Marvel, nessa encarnação, já fez. Tanto por qualidade técnica, quanto ambição, engenharia e claro, emoção. Coisa de mestre utilizar um vilão nato dessa forma, abrindo em um segundo um universo inteiro a ser explorado. Créditos a Hiddleston (campeão invicto em “fingir time slipping”), Sophia Di Martino e tantos outros do elenco. Que heavy metal, bicho. Pra um cara como eu, que sempre esperou que os filmes/séries me tratassem como o nerd que sou, Loki foi um calaboca eficiente e apaixonante. Como é bom estar errado, ficava pensando enquanto assistia. Fazia tempo que não me importava com Deuses dessa forma. E: a linha do tempo é longa o suficiente, mermão, sempre é.
Moral do caralho é escrever um livro (um romance histórico) e depois adaptar em filme tu mesmo (um épico de guerra). Em Kubi, cabeças rolam com a mesma facilidade e intensidade em que as piadas te atingem. Cinematografia irretocável, elenco imenso (que te confunde até) e totalmente na mesma frequência, aquele gore samurai nosso de cada dia – com direito a cenas tradicionais de lances NINJA, mas com aquele gore que nos acostumamos nos últimos tempos (obrigado Kitano, obrigado Miike) e claro, a seriedade que Kitano consegue dar às mais simples das cenas. Uma aula, um privilégio. É tipo um Succession Japão Feudal style, só que usando figuras históricas reais e maltratando todo mundo. Kitano velho é mestre de tudo e todos, bicho.
Fazia muito tempo que não via um filme de Terror com T maiúsculo no cinema, acompanhado de casais em encontros e de fileiras de adolescentes legitimamente se assustando. Ainda mais algo especial como esse Talk To Me, debut dos youtubers do RackaRacka, um projeto que emana doidera, simpatia e esforço. Tudo funciona, até mesmo a antipatia (natural) dos atores adolescentes. Aquela cena de abertura é puro suco de pesadelo, te puxando pro lado fundo da piscina logo de cara. Fiquei bastante tempo conversando sobre esse filme nas semanas seguintes, porque não só possui um conceito simples e eficiente, como tem stunts hardcore e até mesmo se liga com o Espiritismo de forma torta, provando que é uma baita religião/doutrina para ser explorado em horror e sci-fi (ver também: metal do Dead Times). Parece que o sucesso comercial também foi forte. Então, que venham outras sessões de cinema como essa. Obrigado irmãos Philippou.
Spoilers à frente. Teje avisado. Tirando todos os problemas de viagem no tempo (até agora poucas séries souberam fazer isso, talvez a melhor tenha sido Devs – e meio que a regra é: se não te dói a cabeça, tem um paradoxo evidente que desmonta toda a narrativa), Bodies pega a HQ e refaz quase tudo, até porque se me lembro bem a HQ é um daqueles trampos que querem ser mais sérios do que são (a Vertigo publicou muito desses ali naquela época, o começo dos 2010), com bons resultados: tem um momento ali perto do final que me lembrou The Leftovers, que o drama deixou-se ser mais do que apenas fatalismo e redenção. O futuro é estranho, o passado, por mais que tentem, é uma ilusão e o presente é doloroso sem medida. Dia desses conversamos na barbearia como estamos na mesma idade em que nossos pais nos tiveram, e é quase inconcebível entender o que eles estavam pensando. Talvez nem precise conceber. Como diz Black Alien, imaginação, memória ou presente, passado e futuro, existe não, se é que ‘cê me entende.
Podia jurar que já tinha ouvido Witching. Achei que lembrava, mas quando a banda começou a tocar, não registrou. Talvez ouvi outra banda de nome semelhante, tudo bem. Isso me aconteceu várias vezes durante essa visita à Berlin. Por algum motivo olhava para algo (um prédio, rua, loja, trem) e lembrava daquilo, mesmo sem nem saber o que é. Ou talvez eu sabia, mas só esqueci. Todavia, é bom conhecer uma banda nova pelo que tão tocando no palco, e o Witching é uma belezinha. Aquele metal clássico, que sabe ser sludge e deixa os vocais soltos (baitas vocais). Tudo que o cara precisa de vez em quando.
O Fange já é outro bicho. Outra história. Um ataque frontal. Um exercício em forma de barulho. Teve uma época que acho que no bandcamp deles tinha a frase “This is ignorant music for the Educated Man”, mas o tempo passou e acho que a gente tá mais ignorante do que esperava, ou talvez seja só a minha percepção. Aquele Fange do sludge dos infernos quase não apareceu nessa noite, o que veio foi um estridente, combativo, desgraçento e puro som industrial. Dois estrobos virados de frente pra plateia, aquela luz branca e prateada assaltando todo mundo. Fazia tempo que não passava por isso, um hard reset de algumas partes do teu cérebro. Com a banda te forçando até dar certo. Existindo apenas no momento, como canta a letra de Sang-Vinaigre.
Doidera. Ano passado mesmo teve um desses V/H/S, né. Sem querer parecer que tou reclamando, até porque: esse 85 é o bicho demais. O formato geral da antologia tá no prumo nessa edição. Toca como uma mixtape infernal – uma liga torta (tortíssima) em forma de fita vhs, não muito diferente de uma fita caseira que estaria dentro de um videocassete (caso fosse o videocassete do capeta). Os segmentos são hardcore crossover puro, com poucos momentos fracos, entregando aquele gore retrô nosso de cada dia. Destaque para God Of Death (baitas cenas atordoadas de terremoto) e Dreamkill (Scott Derrickson deitando no formato e entregando um dos melhores momentos da série inteira). O resto do filme é cheio de bons momentos e acaba meio que elevando o todo a ser um dos melhores V/H/S. Quem diria. Doidera. Vida longa à V/H/S, mermão.
Me vi (sentado) ouvindo o Sessa numa noite de segunda. Só violão e vozes e nada mais. Me permiti uma certa nostalgia, lembrando alguns anos em SP em que ver shows assim pelos Sesc era algo que acontecia com até certa frequência (mesmo eu sendo cabeça dura e querendo MAIS GUITARRA MANO). Envelhecer é massa, todavia. Perceber na plateia um monte de brasileiros expatriados, cantando baixinho e balançando, é o mais perto de casa que posso me sentir aqui do outro lado do oceano. Sessa mandou Donato, Cartola e Eduardo Mateo (depois dessa, aliás, disse “tem tanta coisa ruim no mundo, mas tem também essa música”) em um interlúdio de covers que me agradou demais. E de repente o cara se vê cantando mentalmente Acontece como quem sabe finalmente o que o Angenor queria dizer.